Parte 9

O Além e a Sobrevivência do Ser




Tem-se procurado explicar todos os fenômenos do Espiritismo pela sugestão e pela dupla personalidade. Nas experiências, dizem, o médium se sugestiona a si mesmo, ou, melhor, sofre a influência dos assistentes.


A sugestão mental, que não é mais do que a transmissão do pensamento, malgrado as dificuldades que apresenta, se pode compreender e estabelecer entre dois cérebros organizados, por exemplo, entre o magnetizador e o magnetizando. Poder-se-á, porém, acreditar que a sugestão atue sobre mesas? Pode-se admitir que objetos inanimados se mostrem aptos a receber e reproduzir as impressões dos assistentes?


Não haveria meio de explicar-se por essa teoria os casos de identidade, as revelações de fatos, de datas, ignorados do médium e dos assistentes, que se produzem freqüentemente nas experiências, e menos ainda manifestações contrárias à vontade de todos os espectadores. Muitas vezes, particularidades absolutamente desconhecidas de todo o ser vivo na Terra são reveladas por médiuns e depois verificadas e reconhecidas verdadeiras. Notáveis exemplos se encontram na obra de Aksakof: Animismo e Espiritismo e na de Russel Wallace: Moderno Espiritualismo, assim como casos de mediunidade comprovados em crianças de pouca idade, os quais, tanto quanto os precedentes, não poderiam ser explicados pela sugestão.


Segundo os Srs. Pierre Janet e Ferré 17 – e é essa uma explicação de que amiúde se servem os adversários do Espiritismo –, deve-se equiparar um médium psicógrafo a um hipnotizado, a quem se sugere uma personalidade durante o sono e que, ao despertar, perde a lembrança da sugestão. O sensitivo escreve inconscientemente uma carta, uma narração relativa à personagem imaginária. É esta, dizem, a origem de todas as mensagens espíritas.


Todos os que possuem alguma experiência do Espiritismo sabem que semelhante explicação é inadmissível. Os médiuns, escrevendo automaticamente, não são de antemão imersos no sono hipnótico. É, em geral, despertos, na plenitude de suas faculdades e do seu eu consciente, que eles escrevem sob a impulsão dos Espíritos. Nas experimentações do Sr. Janet, há sempre um hipnotizador em ligação magnética com o paciente. Não se dá o mesmo nas sessões espíritas: nem o evocador, nem os assistentes atuam sobre o médium; este ignora absolutamente o caráter do Espírito que se vai manifestar. Muitas vezes até as questões são propostas aos Espíritos por incrédulos, mais propensos a combater a manifestação do que a facilitá-la.


O fenômeno da comunicação gráfica não consiste unicamente no caráter automático da escrita, mas sobretudo nas provas inteligentes, nas identidades que fornece. Ora, as experiências do Sr. Janet nada produzem que com isso se pareça. As comunicações sugeridas aos pacientes hipnotizados são sempre de uma banalidade desesperadora, enquanto que as mensagens dos Espíritos nos trazem de contínuo indicações, revelações que entendem com as vidas presentes e passadas de seres que conhecemos na Terra, que foram nossos amigos ou parentes, particularidades ignoradas do médium e cujo caráter de certeza as distingue em absoluto dos trabalhos de hipnotismo.


Por meio da sugestão hipnótica ninguém conseguirá que analfabetos escrevam, nem que um móvel dite poesias como as que recebeu o Sr. Jaubert, presidente do Tribunal de Carcassonne, e foram premiadas nos jogos florais de Toulouse. Tampouco, por aquele meio, se conseguirá suscitar o aparecimento de mãos, de formas humanas, e menos ainda os escritos de que se cobrem as lousas trazidas por observadores, que não as largam um instante.


Convém lembrar que a Doutrina dos Espíritos se constituiu com o auxílio de numerosas mensagens obtidas por médiuns escreventes, dos quais eram totalmente desconhecidos os ensinos transmitidos. Quase todos haviam sido criados desde pequeninos na doutrina da Igreja, na crença de um paraíso e de um inferno. Suas convicções religiosas, as noções que tinham da vida futura estavam em flagrante oposição com os princípios expostos pelos Espíritos. Falecia-lhes qualquer idéia da reencarnação, ou das vidas sucessivas da alma, assim como da verdadeira situação do Espírito após a morte, assuntos todos esses constantes das mensagens recebidas. Aí temos uma objeção irrefutável à teoria da sugestão.


É evidente que, no enorme acervo de fatos espíritas atualmente registrados, muitos são fracos, pouco concludentes; outros podem ser explicados pela sugestão ou pela exteriorização do sensitivo. Em certos grupos espíritas há extrema facilidade em aceitar-se tudo como proveniente dos Espíritos, sem a cautela de pôr de parte fenômenos duvidosos. Mas, por grande que seja o número destes, resta sempre um conjunto imponente de manifestações inexplicáveis pela sugestão, pelo inconsciente, pela alucinação, ou por outras teorias análogas.


Os críticos procedem sempre do mesmo modo com o Espiritismo. Consideram tão-somente um gênero especial de fenômenos e, de intento, afastam da discussão tudo que não logram compreender nem refutar. Desde que julgam estar de posse da explicação de alguns fatos isolados, apressam-se em concluir pelo absurdo do conjunto. Ora, quase sempre, as explicações que dão são inexatas e deixam de lado as provas mais frisantes da existência dos Espíritos e da sua intervenção nas coisas humanas.


Os professores Taine, Flournoy, os doutores Binet e Grasset e outros aventaram as teorias da dupla consciência e da alteração da personalidade, para explicarem os fenômenos da escrita e da incorporação; mas os sistemas que preconizam não se conformam com os fatos de escrita em línguas estrangeiras ignoradas do médium, tal como sucedeu com a filha do grande juiz Edmonds (ver O Problema do Ser, do Destino e da Dor,18 cap. VII). Não se conformam igualmente com os autógrafos obtidos de alguns defuntos, nem ainda com os fenômenos de escrita produzidos por analfabetos. 19


Nenhuma daquelas hipóteses explica os fatos de escrita direta, conseguida pelo Sr. de Guldenstubbe, sem contacto, em folhas de papel não preparadas,20 como também não explica a experiência relatada por Sir W. Crookes,21 na qual a mão de um Espírito, materializada, desceu do forro, às suas vistas, no seu próprio gabinete de trabalho, enquanto ele mantinha seguras as duas mãos da médium Kate Fox.


Em todas essas teorias quase constantemente se confunde o subconsciente, ou o subliminal, quer com o duplo fluídico, que não é um ser mas um organismo, quer com o Espírito preposto à guarda da alma encarnada neste mundo.


O pastor Benezech, que os fatos converteram ao Espiritismo, demonstrou excelentemente tudo que há de arbitrário e de inverossímil nessas pretensas explicações científicas. Num livro recente escreveu ele a esse respeito: 22


“A mesa revelava uma coisa que material, absoluta e incontestavelmente nos era impossível saber. Alguém a conhecia em nosso lugar, pois que no-la dizia. A memória latente não teve possibilidade de intervir e, se só o subconsciente esteve em ação, que poder não é o seu! Ele existe em nós, é uma parte de nosso próprio ser, por capricho da Natureza que equivale, quando refletimos nisso, aos mais inverossímeis prodígios: pensa, concebe projetos, executa-os, tudo à nossa revelia, e em seguida nos diz o que realizou, não quando nos achamos adormecidos e a sonhar, mas perfeitamente acordados e à espera do que se vai dar.


“Os amadores do fantástico têm com que se regalar.”


No seu último livro, 23Sir Oliver Lodge refere, nestes termos, um fato que nenhuma das teorias tão caras aos adversários do Espiritismo pode explicar:


“O texto seguinte obteve-o o Sr. Stainton Moses, quando, em sessão na biblioteca do Dr. Speer, conversava, por intermédio de sua mão, que escrevia automaticamente, com diversos interlocutores invisíveis:


S. M. – Podeis ler?


Resp. – Não, amigo, não posso, mas Zacarias Gray, assim como Rector, podem fazê-lo.


S. M. – Algum desses Espíritos está aqui?


Resp. – Vou buscar um imediatamente. Vou mandar... Rector aí está.


S. M. – Perguntei se podíeis ler. É verdade? Podeis ler um livro?


Resp. – (A caligrafia muda.) Sim, amigo, mas dificilmente.


S. M. – Queira ter a bondade de escrever a última linha do Primeiro Livro de Eneida.


Resp. – Espere... Omnibus errantem terris et fluctibus œstas. (Era isso, exatamente.)


S. M. – Está bem. Mas é possível que eu o soubesse. Podeis ir à biblioteca, tomar o penúltimo volume da segunda prateleira e ler-me o último parágrafo da pág. 94? Não sei qual é o livro e lhe ignoro até o título.


(Depois de pequeno lapso de tempo, obteve-se o seguinte, por meio da escrita automática): – ‘Provarei por uma breve narrativa histórica ser o papado uma novidade que, gradualmente, se formou e cresceu desde os tempos primitivos do Cristianismo puro, não só desde a era apostólica, porém mesmo desde a lamentável união da Igreja e do Estado por Constantino.’


O volume em questão se verificou ser o de uma obra extravagante que tinha por título: Rodger’s Antipopopriestian, an attempt to liberate and purify Christianity from Popery, Politikirkality and Priestrule.


O extrato dado acima estava fiel, com exceção da palavra narrative, que substituíra o termo account.


S. M. – Como é que fui indicar um trecho tão a propósito?


Resp. – Não sei, meu amigo, efeito de coincidência. A palavra foi trocada por erro. Percebi-o quando já o tinha cometido e não quis corrigi-lo.


S. M. – Como ledes? Escrevíeis mais devagar, por pedaços e aos arrancos.


Resp. – Escrevia aquilo de que me lembrava e ia, em seguida, ler para diante. É preciso fazer um esforço especial para ler. Isto nenhuma utilidade apresenta senão como prova. Tinha razão o vosso amigo ontem à noite; podemos ler, mas só quando são favoráveis as condições. Vamos ler mais uma vez, escreveremos e depois vos indicaremos o livro: ‘Pope é o último grande escritor dessa escola de poesia, a poesia da inteligência, ou antes, da inteligência casada com a imaginação.’ Esse trecho se acha realmente escrito. Procurai no undécimo volume da mesma prateleira.


(Apanhei um livro intitulado: Poesia, Romance e Retórica.)


– Ele vai abrir-se na página desejada. Tomai, lede e reconhecei o nosso poder e a permissão que nos concede Deus, grande e bom, de vos mostrarmos a ação que temos sobre a matéria. Glória a Ele. Amém.


(O livro, aberto na pág. 145, mostrou que a citação fora absolutamente verdadeira. Eu nunca passara antes os olhos pelo volume; é fora de dúvida, pois, que nenhuma idéia tinha acerca do que nele estava escrito. (S. M.)


“Estes volumes pertenciam à biblioteca do Dr. Speer. (O. L.)”


Nas últimas páginas do mesmo livro, concluindo, escreveu Oliver Lodge, depois de haver narrado inúmeros fatos:


“Verificamos que amigos defuntos, alguns dos quais nos eram muito conhecidos e tiveram parte ativa nos trabalhos da Sociedade quando vivos, especialmente Gurney, Myers e Hodgson, constantemente procuram comunicar-se conosco na intenção bem clara de pacientemente provarem suas identidades e de nos darem correspondências cruzadas por diferentes médiuns. Verificamos também que eles respondem a perguntas especiosas, de um modo que é característico de suas conhecidas personalidades, dando testemunho de conhecimentos que lhes eram peculiares.”


Os teoristas do subconsciente fazem deste um ser dotado de transcendentes faculdades intelectuais. Que há então de extraordinário que certas manifestações do espírito pareçam ser assim por eles explicadas? Mas, ao passo que a teoria espírita é clara, precisa e se adapta perfeitamente à natureza dos fenômenos, a hipótese da subconsciência se mostra vaga e confusa.


Diante dos fatos que acabamos de assinalar, é lícito perguntar-se em virtude de que acordo universal os inconscientes sepultados no homem, ignorando-se uns aos outros e ignorando-se a si mesmos, são unânimes, no curso das manifestações ocultas, em se dizerem Espíritos dos mortos? Como poderiam conhecer e comunicar minúcias sobre a identidade dos mesmos mortos?


É o que temos logrado comprovar nas inúmeras experiências em que temos tomado parte, durante mais de trinta anos, em diversos pontos do globo, na França e no estrangeiro. Jamais os seres invisíveis se nos apresentaram como sendo os inconscientes ou os eu superiores dos médiuns e das outras pessoas presentes. Sempre se anunciaram como personalidades diferentes, no gozo pleno de suas consciências, com individualidades livres, que viveram na Terra, conhecidos dos assistentes, na maioria dos casos com todos os caracteres do ser humano, suas qualidades e seus defeitos, e, freqüentemente, forneciam provas de sua própria identidade. 24


O que há de mais notável em tudo isto, parece-nos, é a engenhosidade, a fecundidade de certos pensadores, a habilidade que denotam em arquitetar teorias fantasistas, com o fim de fugirem a realidades que lhes desagradam e os embaraçam.


Sem dúvida, não previram todas as conseqüências de seus sistemas, fecharam os olhos aos resultados que deles se pode esperar. Sem atenderem a que estas doutrinas funestas aniquilam a consciência e a personalidade, separando-as, chegando logicamente, fatalmente, à negação da liberdade, da responsabilidade e, por conseguinte, à destruição de toda a lei moral.


Efetivamente, tivessem realidade tais hipóteses, o homem seria uma dualidade ou uma pluralidade mal equilibrada, em que cada consciência agiria a seu talante, sem se incomodar com as outras. São essas noções que, penetrando nas almas e tornando-se para elas uma convicção, um argumento, as levam a todos os excessos.


Ao contrário, tudo na Natureza e no homem é simples, claro, harmônico e só parece obscuro e complicado por efeito do espírito de sistema.


Do exame atento, do estudo constante e aprofundado do ser humano, uma coisa resulta: a existência, em nós, de três elementos, que são o corpo físico, o corpo fluídico ou perispírito e, enfim, a alma ou espírito. Aquilo a que chamam o inconsciente, a segunda pessoa, o eu superior, a policonsciência, etc., é apenas o espírito que, dadas certas condições de desprendimento e de clarividência, vê surgir em si, como manifestação de poderes ocultos, um conjunto de recursos que as anteriores existências lhe armazenaram e que se achavam momentaneamente escondidos sob o véu da carne.


Não, certamente, o homem não tem diversas consciências. A unidade psíquica do ser é condição essencial de sua liberdade e de sua responsabilidade. Há nele, sim, diversos estados de consciência. À medida que o Espírito se desprende da matéria e se liberta do envoltório carnal, suas faculdades, suas percepções se dilatam, suas lembranças despertam, a irradiação da sua personalidade se amplia. É isso o que algumas vezes se produz no estado de sono magnético. Em tal estado o véu da matéria cai, a alma se liberta e suas potências latentes ressurgem. Daí, algumas manifestações de uma mesma inteligência, que deram azo à crença numa dupla personalidade, numa pluralidade de consciências.


Entretanto, semelhante idéia não basta para explicar os fenômenos espíritas; na maior parte dos casos, a intervenção de entidades estranhas, de vontades livres e autônomas se impõe, como sendo a única explicação racional.


Inutilmente, pois, os críticos se encarniçam contra o Espiritismo. Desde que os examinemos com atenção, seus argumentos se desfazem como o fumo: alucinação, sugestão, inconsciente subliminal, nada mais são do que palavras. Aqueles que as põem em uso pensam ter dito tudo. Na realidade, porém, nada explicam e os problemas subsistem em toda a sua extensão. A prática do Espiritismo apresenta, é certo, sombras, dificuldades, perigos. Mas, não esqueçamos que não há no mundo coisa alguma, por mais bela e proveitosa que seja, que não se torne perigosa logo que dela se abuse.


O mesmo acontece com o Espiritismo. Estudai-lhe as leis, obedecei-lhe às regras, não abordeis a experimentação senão possuídos de sentimento puro e elevado e lhe reconhecereis bem depressa a grandiosidade e a beleza. Compreendereis que se tornará a força moral do futuro, a prova mais certa da sobrevivência, a consolação dos desgraçados, o supremo refúgio dos náufragos da vida. Já por toda parte ele penetra. A literatura se mostra dele impregnada. A imprensa periódica lhe consagra freqüentes artigos. A Ciência, que por tanto tempo o repeliu, muda pouco a pouco de atitude no que lhe diz respeito. As Igrejas, que supunham destroçá-lo facilmente, se vêem na contingência de recorrer a todas as armas para combatê-lo. Em muitos púlpitos seu poder é mesmo proclamado; todos os dias vemos sacerdotes veneráveis, pastores e crentes lhe darem testemunho de fé.


Ele triunfará, pois que é a verdade e à verdade nada pode resistir. Seria tão difícil deter a marcha dos astros, paralisar o movimento da Terra, quanto obstar aos progressos desta verdade que se revelou ao mundo e fazer que os homens regredissem às suas dúvidas, às suas incertezas, às suas negações anteriores.